O uso de telas, como smartphones, tablets e videogames, pelas novas gerações é absolutamente desproporcional. Com apenas 2 anos de idade, um bebê já fica em média 3 horas por dia em frente aos dispositivos eletrônicos. Dos 8 aos 12 anos, esse tempo aumenta para 5 horas, chegando a quase 7 horas na adolescência.
Longe de favorecer crianças e jovens no seu desenvolvimento, tal prática pode produzir complicações diversas sobre o corpo (obesidade, problemas cardiovasculares, redução de esperança da vida), sobre as emoções (agressividade e depressão) e sobre o desenvolvimento intelectual (empobrecimento da linguagem, dificuldade de concentração e prejuízo à memória).
Quem faz essas afirmações impactantes é o neurocientista francês, Michel Desmurget, no livro “A Fábrica de Cretinos Digitais”. “Simplesmente não há desculpa para o que estamos fazendo com nossos filhos e como estamos colocando em risco seu futuro e desenvolvimento”, alerta o especialista.
Ele é diretor de pesquisa do Instituto Nacional de Saúde da França e autor de diversos estudos científicos, com experiência por centros de pesquisa renomados como o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e a Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos.
Desmurget defende que crianças não usem telas antes do 6 anos de idade e diz que conforme as evidências já há um tempo que o testes de “QI” (quociente de inteligência) têm apontado que as novas gerações são menos inteligentes que as anteriores. No livro, ele apresenta dados concretos que mostram como os dispositivos digitais estão afetando seriamente — e para o mal — o desenvolvimento neural de crianças e jovens. A seguir, veja alguns dos principais tópicos da entrevista que o especialista concedeu à BBC.
Desmurget explica que o QI é medido por um teste padrão, que, porém não é “estático”, sendo frequentemente revisado. “Meus pais não fizeram o mesmo teste que eu, por exemplo, mas um grupo de pessoas pode ser submetido a uma versão antiga do teste”, diz. E, ao fazer isso, os pesquisadores observaram em muitas partes do mundo que o QI aumentou de geração em geração. Isso foi chamado de ‘efeito Flynn’, em referência ao psicólogo americano que descreveu esse fenômeno. Mas recentemente, essa tendência começou a se reverter em vários países.
Segundo o neurocientista francês, embora o QI seja fortemente afetado por aspectos como o sistema de saúde, o sistema escolar e a nutrição, ao considerar os países onde os fatores socioeconômicos têm se mostrado estáveis por décadas, o ‘efeito Flynn’ começa a diminuir.
“Nesses países, os ‘nativos digitais’ são os primeiros filhos a ter QI inferior ao dos pais. É uma tendência que foi documentada na Noruega, Dinamarca, Finlândia, Holanda, França, etc”, afirma.
Segundo o neurocientista, ainda não é possível determinar o papel específico de cada fator na redução do QI. Isso inclui desde a poluição (especialmente a exposição precoce a pesticidas) à exposição a telas.
“O que sabemos com certeza é que, mesmo que o tempo de tela de uma criança não seja o único culpado, isso tem um efeito significativo em seu QI. Vários estudos têm mostrado que quando o uso de televisão ou videogame aumenta, o QI e o desenvolvimento cognitivo diminuem”, disse o especialista.
E isso afeta os principais alicerces da nossa inteligência: linguagem, concentração, memória, cultura (definida como um corpo de conhecimento que nos ajuda a organizar e compreender o mundo), diz Desmurget, o que, em última análise, leva a uma queda significativa no desempenho acadêmico.
O neurocientista declara que o potencial para a plasticidade cerebral é extremo durante a infância e adolescência. Depois, ele começa a desaparecer, tornando-se muito menos eficiente.
Segundo Desmurget, o cérebro é como uma massa de modelar que inicialmente é macia e fácil de esculpir, mas depois fica seca e difícil de modelar.
“O problema com as telas é que elas alteram o desenvolvimento do cérebro de nossos filhos e o empobrecem”, afirma.