Deputados durante sessão da Câmara — Foto: Kayo Magalhães/Câmara dos Deputados
Em um momento de efervescência legislativa, o Congresso Nacional brasileiro se prepara para aprovar medidas que podem catapultar o país ao topo de um ranking nada invejável: a nação com a maior carga tributária sobre empresas do planeta.
Entidades empresariais alertam que, com a isenção do Imposto de Renda (IR) para rendas de até R$ 5 mil mensais, a alíquota efetiva sobre lucros corporativos poderia saltar para até 48%, superando até mesmo nações como Malta, hoje detentora do recorde com 35%. A isenção do IR promete alívio imediato para milhões de trabalhadores, mas pode trazer temores de desestímulo aos investimentos e ao crescimento econômico.
A reforma tributária, sancionada em dezembro de 2023 e agora em fase de regulamentação, visa unificar tributos como PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS em dois pilares principais: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS, gerido por estados e municípios) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS, federal).
A meta é simplificar o emaranhado de 90 normas tributárias vigentes, eliminando distorções que custam bilhões à economia. No entanto, a proposta de isenção do IR para faixas salariais baixas – que zera o imposto para quem ganha até R$ 60 mil anuais – gera um efeito colateral preocupante.
De acordo com estudo inédito de entidades como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), a compensação pela perda de arrecadação com a isenção recairia sobre as empresas via elevação da alíquota do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Atualmente, a carga sobre lucros empresariais gira em torno de 34% do PIB, já uma das mais altas entre emergentes. Com as mudanças, o Brasil poderia alcançar 42,8% do PIB em arrecadação tributária até 2050, liderando o aumento global nesse indicador. O IVA dual (IBS + CBS) seria estimado em 28%, o mais elevado do mundo, agravando o peso sobre o setor produtivo.
Especialistas consultados, como o economista da FGV, destacam que essa escalada tornaria o Brasil menos atrativo para investimentos estrangeiros, em um contexto de recuperação pós-pandemia ainda frágil.
"Países como Chile e Polônia tributam rendimentos de capital em apenas 7%, enquanto aqui o foco regressivo no consumo e lucros sufoca a inovação", analisa um relatório da Unicamp. Além disso, um estudo internacional do Ministério da Fazenda revela que a desigualdade tributária no Brasil é ainda maior do que se imaginava: o 1% mais rico paga proporcionalmente menos que em nações desenvolvidas, o que justifica reformas, mas não a um custo tão desproporcional para as empresas.
A reforma não é vilã em si. Ela promete eliminar "guerra fiscal" entre estados, que distorce investimentos, e fomentar crescimento sustentável, gerando empregos e renda ao simplificar obrigações acessórias. No entanto, o risco de sobrecarga corporativa é real: com 48% sobre lucros, pequenas e médias empresas – que empregam 70% da força de trabalho – poderiam ver margens evaporarem, levando a demissões ou informalidade.
Comparativamente, a América Latina já posiciona o Brasil como líder em carga tributária, com 33,3% do PIB em 2024, contra médias regionais de 22%. Projeções indicam que, sem ajustes, o país poderia repetir o ciclo de estagnação visto na década de 2010.
Críticos, incluindo a oposição no Senado, argumentam que a urgência na votação – aprovada para a segunda etapa da regulamentação – ignora impactos fiscais. O projeto de isenção do IR, que avança na Câmara, poderia custar R$ 30 bilhões anuais aos cofres públicos, forçando compensações via aumento de alíquotas.
Benefícios fiscais setoriais, como os para infraestrutura, seriam preservados, mas adaptados ao novo sistema, o que alivia setores específicos, como agronegócio e tecnologia.
Apesar das sombras sobre as empresas, a isenção do IR para rendas até R$ 5 mil mensais emerge como um contraponto progressista e economicamente virtuoso. Primeiramente, ela beneficia diretamente 30 milhões de contribuintes de baixa renda, elevando a faixa de isenção de R$ 2.112 para R$ 5 mil – um salto que coloca mais dinheiro no bolso da classe média baixa.
Esse alívio imediato impulsiona o consumo, principal motor da economia brasileira, que depende 60% da demanda interna. Economistas preveem um "efeito multiplicador": cada real isento circula mais rápido, estimulando varejo, serviços e, ironicamente, as próprias empresas via maior faturamento.
Outro ganho é a simplificação: o fim da tabela progressiva para faixas iniciais reduz burocracia, combatendo a sonegação e ampliando a base tributária ao atrair informais para o sistema. Socialmente, promove justiça fiscal em um país de desigualdades gritantes – o Gini de 0,52 cairia ligeiramente com maior redistribuição.
Para as empresas, indiretamente, há estímulo à mão de obra qualificada: salários líquidos mais altos retêm talentos, reduzindo custos com turnover. Setores como educação e saúde, que empregam muitos nessa faixa, ganham competitividade global. Por fim, alinhada à Emenda Constitucional 132, a medida pavimenta uma tributação mais progressiva, taxando lucros e dividendos dos ricos – uma promessa pendente que poderia equilibrar a balança.
O Brasil está em uma encruzilhada: aprovar a reforma sem freios pode coroar o país como "campeão mundial de impostos corporativos", mas ignorar os positivos da isenção seria cegar-se a uma oportunidade de inclusão. Líderes como o presidente da CAE, Rodrigo Pacheco, defendem diálogo para mitigar riscos, talvez via emendas que preservem incentivos empresariais.
Enquanto o plenário ferve, uma pergunta ecoa: será que o Brasil optará por um sistema que tribute mais os que podem pagar, sem sacrificar o motor da nação – suas empresas e seu povo? A resposta, esperada para esta semana, definirá não só cofres públicos, mas o destino de uma economia em busca de equilíbrio.