A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou nesta quarta-feira (19) proposta que libera os jogos de azar no Brasil, como bingo, jogo do bicho e cassino. Foram 14 votos a favor e 12 votos contrários.
O projeto cria regras para a exploração e mecanismos de fiscalização e controle dos jogos. Também estabelece a tributação das casas de apostas e de prêmios, além de uma série de direitos aos jogadores .
A proposta havia sido aprovada pela Câmara em 2022 e enfrentou obstáculos durante a passagem pelo Senado. A resistência de parlamentares conservadores e movimentos sociais levou a uma série de adiamentos na discussão do texto.
Membros da bancada evangélica no Congresso e parlamentares conservadores lideraram uma mobilização ao longo das últimas semanas para virar votos de senadores, especialmente de siglas do centro. Antes do início da análise da proposta, senadores contavam e pediam compromissos para votos em uma votação que havia sido projetada como apertada.
Aberta por volta das 15h, a votação foi acompanhada de perto pelos congressistas nos painéis do colegiado. Assessores e senadores se revezaram nas telas para somar os apoios.
Com a aprovação pela CCJ, o texto seguirá para a análise do plenário do Senado. Se aprovado da forma como está, será enviado para a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) — uma vez que não houve alterações no conteúdo do texto pelos senadores.
A proposta aprovada pela CCJ autoriza a prática e a exploração no Brasil de:
jogos de cassino
jogos de bingo
jogos de videobingo
jogos online
jogo do bicho
apostas em corridas de cavalos (turfe)
Fim de uma proibição de quase 80 anos
O texto põe fim a uma proibição, prevista numa lei de 1946, à exploração de jogos de azar em todo o território nacional. Também revoga trechos da Lei de Contravenções Penais, que estabelece punições para as práticas.
A operação dos jogos de azar, no entanto, deverá seguir uma série de critérios. Serão exigidos, por exemplo, valores mínimos de capital da empresa e comprovação de origem lícita dos recursos. Somente empresas com sede no Brasil poderão operar as jogatinas, que estarão permitidas em locais previamente autorizados.
De acordo com o projeto, ficará a cargo do Ministério da Fazenda definir os processos de licenciamento, fiscalização e autorização de exploração. O governo também poderá criar uma agência reguladora.
Pela proposta, somente maiores de 18 anos poderão jogar. Haverá proibição, por exemplo, para jogadores que se declararem ludopatas (pessoas diagnosticadas com compulsão por jogos de azar) ou forem interditados judicialmente.
O relator do projeto, senador Irajá Abreu (PSD-TO), defendeu que os jogos de azar representam uma "atividade econômica relevante" no Brasil e que, em razão disso, devem estar "sujeitos à regulamentação pelo Estado".
"O principal benefício do projeto é permitir que uma atividade econômica que já é praticada mesmo na contravenção passe ao controle do Estado, mitigando eventuais vínculos entre os jogos de azar e o crime organizado", afirmou.
Segundo ele, a criação de regras para as apostas também "abre caminho" para que o vício em apostas seja enfrentado como um "verdadeiro problema de saúde pública, com o direcionamento de parte da arrecadação para mitigar essa externalidade negativa".
Entenda a seguir, nesta reportagem, os principais pontos do projeto que libera os jogos de azar:
O texto estabelece que os jogos de azar somente poderão ser oferecidos por empresas registradas, sediadas e administradas no Brasil. A oferta dependerá da concessão de uma licença pelo Ministério da Fazenda.
Pelas regras previstas no projeto, o estatuto da empresa deverá estabelecer que a atividade principal do CNPJ será a exploração dessas práticas, mas atividades como comércio de alimentos e bebidas e a realização de atividades artísticas e culturais poderão ser registradas como atividades secundárias.
Para ter direito a uma licença de operação, além de outros requisitos, a empresa precisará comprovar origem lícita de recursos e um capital mínimo:
para bingo: R$ 10 milhões
para cassinos: R$ 100 milhões
para jogo do bicho: R$ 10 milhões
As licenças seguirão critérios a serem definidos pelo ministério e poderão ser concedidas em caráter permanente ou por prazo determinado. A operação também poderá autorizada para locais específicos ou previamente definidos — as chamadas zonas de jogos. Essas autorizações serão inegociáveis e intransferíveis.
A oferta dos jogos somente poderá acontecer em estabelecimentos físicos ou virtuais autorizados pelo governo federal.
Pela proposta, se não houver regulamentação dos critérios de licenciamento depois de 12 meses de funcionamento da lei, serão autorizadas provisoriamente as ofertas de bingo e de jogo do bicho.
Cada tipo de jogo terá critérios previamente estabelecidos para a operação:
Apostas em corridas de cavalo: será preciso, por exemplo, credenciamento prévio no Ministério da Agricultura para corridas de cavalo e pedir, em até um ano, autorização para operar apostas ao Ministério da Fazenda. Se o local das apostas também desejar oferecer bingo, deverá também comprovar os requisitos necessários para esse tipo de jogo.
Cassinos: serão credenciados por leilões públicos e poderão funcionar somente em complexos integrados de lazer ou em embarcações. Versão aprovada pela Câmara previa que os espaços voltados a cassinos deveriam ser “construídos especificamente para esse fim”. Na CCJ, o texto foi alterado para locais “especificamente destinados a esse fim”. O relator avalia que a mudança vai “garantir a maior participação do setor hoteleiro” na oferta de cassinos.
Bingos: a oferta somente poderá ocorrer em endereços permanentes — as chamadas casas de bingo. As licenças para operação valerão por 25 anos.
Jogo do bicho: também terá licença de 25 anos, que somente será concedida a empresas que comprovarem recursos suficientes para o pagamento de suas obrigações. Os registros das apostas terão de ser colocados em uma plataforma digital. Especificamente nesta prática não será preciso identificar apostadores que receberem prêmios até o limite da isenção do Imposto de Renda.
O projeto estabelece que somente maiores de idade poderão jogar. Menores de idade também não poderão acessar endereços credenciados para a oferta dos jogos, que não poderão ter máquinas de jogos instaladas no exterior.
De acordo com a proposta, apostadores terão até 90 dias para reclamar os prêmios das apostas.
O texto aprovado pela CCJ estabelece que estarão impedidas de apostar em qualquer uma das modalidades:
pessoas jurídicas;
pessoas com compulsão em jogos, que pedirem a inclusão no Registro Nacional de Proibidos (Renapro);
pessoas interditadas judicialmente, a pedido de familiares, por vício em jogos;
pessoas consideradas insolventes — isto é, aquelas que têm dívidas maiores do que o patrimônio;
pessoas ligadas às empresas de jogos;
agentes públicos vinculados a órgãos de fiscalização dos jogos;
O projeto prevê, ainda, a criação de uma política nacional de proteção aos apostadores, com a obrigação das casas de apostas de manter serviço de atendimento aos apostadores e mecanismos de prevenção do vício em jogos.
O texto proíbe que as empresas de apostas ofertem, concedam ou facilitem empréstimos aos apostadores e permite que empresas credenciadas pelo Ministério da Fazenda atuem na cobrança de dívidas de apostas.
Tributação dos apostadores
Os ganhos de jogadores (valor dos prêmios descontados os gastos com as apostas em um período de 24 horas) serão tributados somente se somarem ou superarem R$ 10 mil. A cobrança será feita pelo Imposto de Renda, com uma alíquota de 20% sobre o prêmio. O tributo será retido diretamente pela casa de aposta.
Tributação das casas de apostas
As empresas credenciadas para explorar os jogos de azar no Brasil terão de pagar uma taxa de fiscalização, de cobrança trimestral e valores diferentes para cada tipo de jogo ofertado:
bingo e apostas em corridas de cavalo: R$ 20 mil por estabelecimento licenciado
jogos on-line: R$ 300 mil por endereço virtual licenciado
cassinos: R$ 600 mil por estabelecimento licenciado
jogo do bicho: R$ 20 mil por licenciamento
Também haverá a cobrança sobre as empresas da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide). O tributo será cobrado sobre a receita bruta das casas de apostas — arrecadação das com apostas descontados os prêmios distribuídos.
A Cide terá uma alíquota de 17%, com pagamento trimestral. O valor arrecadado com o tributo será destinado a uma série de finalidades, como programas de combate ao vício em apostas e os fundos de repasse de recursos da União para estados e municípios.
Fiscalização
A proposta que libera os jogos de azar estabelece uma série de regras para a transparência e a fiscalização das apostas.
Todas as movimentações financeiras das casas de apostas terão de ser registradas no Sistema de Auditoria e Controle (SAC), que poderá ser acessado em tempo real pelo Ministério da Fazenda.
As empresas credenciadas para apostas terão, ainda, de apresentar balanços semestrais das operações. Ao final de cada ano, também precisarão passar por uma auditoria.
O projeto prevê, ainda, que máquinas utilizadas em jogos somente poderão ser oferecidas após a concessão de um registro pelo Ministério da Fazenda. O documento, que valerá por quatro anos, vai assegurar que o equipamento não foi adulterado.
As empresas não poderão manter máquinas de jogos que permitam pagamento em dinheiro físico. Também não poderão receber recursos ou pagar prêmios por meio de instituições financeiras não autorizadas pelo Banco Central.
O texto do projeto também estabelece que a escolha e a nomeação dos administradores das empresas deverá ser autorizada pela Fazenda. Entre os critérios a serem avaliados, estarão: reputação ilibada; e ausência de condenações em crimes, como corrupção e peculato.
O descumprimento das regras poderá levar as empresas a sofrerem punições, como:
multa de até R$ 2 bilhões por infração;
suspensão parcial ou total das atividades por até 180 dias;
cassação da licença; e
proibição de obter nova licença por até dez anos.
Além das punições administrativas, o projeto também torna crime algumas práticas relacionadas às apostas.
Pelo texto, quem explorar jogos de azar sem licença poderá ser preso por até quatro anos. Fraudes em apostas também poderão levar à cadeia, com pena de até sete anos.
Autorizar que um menor de idade jogue levará à prisão por até dois anos, além do pagamento de multa. Também haverá penalização para quem criar embaraços ou dificultar a fiscalização dos jogos: reclusão de até três anos, além de multa.