A aprovação esta semana pela Câmara do projeto de lei que impede que invasores de terras tenham direito a benefícios federais, a exemplo do Minha Casa, Minha Vida, consolidou no Congresso mais um avanço da pauta anti-MST, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
Desde o ano passado, parlamentares da bancada do agronegócio articulam um pacote de leis em resposta à atuação do movimento social, que é aliado histórico do PT. Atualmente, ao menos 17 propostas estão em tramitação na Casa e quatro aguardam análise do Senado.
A investida, que deu origem à Frente Parlamentar Invasão Zero, começou em 2023, após o término da CPI do MST. Na ocasião, o colegiado, que era presidido pelo deputado federal Tenente-Coronel Zucco (PL-RS), encerrou os trabalhos sem que o relatório do deputado e ex-ministro Ricardo Salles (PL-SP) fosse votado. Zucco se uniu ao presidente da Frente Parlamentar Agropecuário, Pedro Lupion (PP-PR), para dar fôlego à iniciativa.
Em dezembro, o grupo já havia articulado a aprovação da chamada “emenda patriota” no Orçamento de 2024, posteriormente vetada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Proposta por Eduardo Bolsonaro (PL-SP), a medida tinha o intuito de proibir a destinação de recursos federais para “atividades de invasão” em propriedades rurais.
A estratégia para emplacar o pacote ganhou reforço com a posse da deputada bolsonarista Caroline De Toni (PL-SC) na presidência da Comissão de Constituição de Justiça e Cidadania (CCJ) em março. Colegiado mais importante e no qual tramitam todas as propostas da Casa, a CCJ tem pautado desde então uma série de projetos anti-MST.
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Ao criticar a aprovação do texto que barra o acesso a benefícios e auxílios do governo federal por condenados por invasão de propriedade rural, o movimento destacou o papel da articulação Invasão Zero, frente composta por parlamentares que chamou de “reacionários, latifundiários e armamentistas”.
“São de parlamentares bolsonaristas a autoria e relatoria do PL, a presidência da Comissão de Constituição e Justiça por onde ele foi aprovado, além dos principais articuladores da proposta”, diz trecho do posicionamento do MST, que cita tentativa de criminalização de movimentos que buscam “democratização da terra”.
Para Lupion, o projeto é um passo importante na “defesa do direito de propriedade” e garante segurança jurídica do campo.
O projeto quebra a espinha dorsal do MST naquilo que eles têm de pior: a utilização de pessoas humildes como massa de manobra. Demos um", argumentou.
Além do PL que já foi aprovado em plenário, foram apreciados na comissão textos como o que estabelece sanções administrativas para os invasores e o que possibilita o uso da força policial independentemente de ordem judicial na retirada de invasores de propriedade privada, “contanto que o faça logo e que os atos de defesa ou desforço não ultrapassem o indispensável à manutenção ou restituição da posse”, diz a proposta que está sob a relatoria de Victor Linhalis (Podemos-ES).
Ainda serão analisados outras quatro propostas que preveem, entre outros pontos, o aumento de penas de detenção para o crime de esbulho possessório, que consiste na invasão de propriedade praticada com violência ou ameaça, e obrigação para que movimentos sociais tenham CNPJ para receber recursos públicos.
Desde a criação, o MST refuta ter um CNPJ sob o argumento de que é um movimento social e não precisa de um registro jurídico para lutar por reforma agrária. Por isso, recebe recursos financeiros por associações ou cooperativas. A oposição, contudo, diz que é uma maneira de não ter que arcar com decisões judiciais.
Foco no Senado
Já o Senado soma ao menos quatro projetos anti-MST. Um deles é de autoria do senador Marcos Rogério (PL-RO) e busca caracterizar a “invasão de terra” com intuito de “provocar terror social generalizado” como ato de terrorismo.
Ao GLOBO, Ricardo Salles indicou prioridades do grupo:
"O próximo passo é construir a maioria para ter votos no Senado e, ao mesmo tempo, voltar tudo que diz respeito à insegurança jurídica, e que envolve a questão indígena e quilombola, como o Marco Temporal e o direito à legítima defesa".
Integrante da CPI do MST no ano passado, Talíria Petrone (PSOL-RJ) diz que os projetos visam criminalizar o direito à moradia e à reforma agrária, previstos na Constituição Federal.
— Tenho certeza que esse movimento anti-MST será barrado pela mobilização das pessoas que lutam pelo direito à terra e pelo judiciário por ser um PL ilegal — avalia.
Na mesma toada, o petista Patrus Ananias (MG) critica o texto aprovado esta semana.
— Ao retirar benefícios como o Bolsa Família e o BPC, ele está penalizando toda a família: as crianças, os jovens, os filhos, os dependentes — aponta.
À medida que os parlamentares do agronegócio acusam o governo de “vista grossa”, o MST segue pressionando o Palácio do Planalto. No “abril vermelho” deste ano, 35 terras foram invadidas pelo movimento — número 150% maior que no primeiro ano do terceiro mandato de Lula.
Do outro lado, o presidente mantém os acenos e tenta mediar o diálogo. No mês passado, anunciou a criação do programa “Terra da Gente”, que tem como promessa assentar 295 mil famílias até 2026. A ação, contudo, não acalmou os ânimos do MST, que promoveu onze novas invasões de terras desde então.